Vore

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Às vezes, eu sinto que a ideação suicida é a minha melhor amiga. Penso nela de forma obsessiva, como uma verdadeira paixão. Não me lembro de muitos momentos em minha vida em que ela não estivesse em meus pensamentos. Eu só tinha 8 anos a primeira vez que pensei que viver era agonizante demais e talvez seria legal deixar de existir. Não tenho muitas memórias dessa época, mas lembro que, a partir dos 13 anos, o suicídio sempre esteve nos meus planos e nas minhas fantasias.

Conviver com a ideação suicida não é fácil, especialmente porque tem dias que parece uma verdadeira batalha para simplesmente tirá-la dos meus pensamentos. Não sei quantas vezes já falei que um dia ela vai me vencer pelo cansaço. Talvez ela não seja uma boa amiga, mas certamente é a minha amiga mais fiel, que jamais me abandona. Ao longo dos anos, ela sempre esteve lá.

Esteve quando estava tudo bem. Esteve quando estava tudo ruim. Esteve nos momentos de comemoração, bem como nos momentos de luto. Esteve também nos momentos em que eu nem sabia que estava, como quando uma amiga me encontrou desmaiada em uma banheira cheia de água, ou quando de repente eu me vi tentando me enforcar na cortina da casa de um ex-namorado, ou quando me vi misturando uma série de comprimidos aleatórios que eu encontrava na gaveta de remédios dos meus pais a fim de causar qualquer estado de emergência ao qual meu corpo não seria capaz de sobreviver. Em nenhum momento ela me deixou.

E talvez seja por isso mesmo que eu não consigo me livrar dessa amizade tão tóxica. Acostumada à impermanência, percebo que a ideação suicida me traz uma sensação de estabilidade. Como se fosse a única coisa que eu realmente tenho, e que eu sempre tive, e que nunca irá embora. A única coisa que jamais me abandonou e que eu não consigo abandonar.

Durante muitos anos, eu consegui lidar sozinha. Consegui me distrair, me manter firme, seguir em frente, impedindo que as fantasias de suicídio fossem concretizadas. Mas, pela primeira vez na minha vida, eu vejo que não estou sozinha. De repente, me vejo cercada de amigos e pessoas que estão ativamente me ajudando nessa batalha. Não apenas pessoas que dizem “qualquer coisa pode desabafar comigo” e desaparecem, mas pessoas que realmente vem e passam os dias comigo, e olham por mim, e me ajudam a procurar ajuda profissional, e estão do meu lado a todo momento pra ter certeza que eu estou me cuidando e vou conseguir passar por isso.

E, de certa forma, essa nova realidade parece doer mais. Justamente porque agora o fardo não é só meu, eu percebo quanto peso carreguei nos meus ombros sozinha ao longo dos anos. Eu me sinto mais fraca porque, mesmo ao sarar as feridas, a pele continua mais fina e sensível. Eu jamais terei a força que um dia eu tive, porque ao não precisar mais carregar tanto peso, os músculos atrofiam e de repente não conseguem mais suportar tanto quanto antes. Acho que esse é o preço que se paga por me permitir ser um pouquinho mais vulnerável, como aqueles bichos de pelúcia que de tanto serem abraçados pelos seus donos acabam ficando desgastados. Ser amado é ser mudado, e mesmo que isso signifique me permitir ser mais sensível e mais dependente das pessoas ao meu redor, eu não me arrependo nem um pouquinho.

Independente da forma que ela acabe — seja pelas minhas próprias mãos ou por fatores externos —, sei que minha vida terá valido a pena se eu chegar ao seu final com as marcas de todas as pessoas que amei e por quem fui amada. Que o amor devore a todas as coisas.