It was no accident

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Relendo textos de 12 anos atrás, percebi que grande parte dos temas que invadem meus pensamentos se mantiveram os mesmos ao longo de todo esse tempo. Não apenas isso como serviram de combustível para parte dos meus delírios nos últimos anos, que se tornaram mais frequentes e intensos devido ao curso natural de um transtorno bipolar mal medicado.

É estranho perceber que, em “essência”, eu me mantive a mesma, ainda que eu sempre tenha acreditado que nada era realmente imutável em mim. O fato é que sempre me vi como um espelho, apenas refletindo as pessoas ao meu redor. Com o tempo, percebi que, na realidade, as relações que inicio são, de fato, porque eu encontrei um pedaço de mim — ainda que parte da minha sombra — em um terceiro. Vejo agora que minha vida tem sido um eterno buscar dos meus pedacinhos nos outros, como Adão procurando os fragmentos da sua alma em cada um. E eu sempre quis ser tão diferente de tudo isso, uma espécie de ilha isolada, um ser intocado, um conceito fixo e indiscutível, algo que simplesmente não é realista, porque eu mudo e mudo os outros ao meu redor. O self não está limitado ao mundo interno, mas parece que esqueço desse detalhe sempre que meus olhos não enxergam e eu caminho no escuro.

Vejo meu reflexo em quem eu fui, mas também o vejo em quem ando sendo, e nas minhas interações com o mundo e as pessoas, e também as vejo refletidas em mim quando eventualmente realizo um gesto em comum, como um fantasma tentando mostrar que ainda pode se manifestar mesmo sem o meu consentimento. E, quando alguém me disse que achava que nunca iria ser normal, que tinha medo de continuar assim para sempre, eu senti como se fosse eu mesma falando. Quando disse que, desde criança, vivia daquele jeito, e sempre fez as coisas do jeito que fez, percebi que suas motivações eram as mesmas que as minhas, e por um segundo me senti rasgada pela sensação de estar revivendo tudo em outro corpo. Eu não deveria chorar, mas eu chorei. Chorei porque vi, mais uma vez, um pedaço de mim em outro ser humano, tentando tanto ser escutado, tentando tanto sobreviver e se adaptar, morrendo de medo de nunca ser capaz de fazê-lo.

E é estranho porque, por mais que eu sinta que não tenha mudado em alguns aspectos, a evolução é óbvia em muitos outros. Alguns meses atrás, chorava com a ideia de que, no fim, eu só poderia mudar meus comportamentos, mas não necessariamente o que havia aqui dentro. No avanço da espiral que resulta da reflexão, isso se revela uma meia verdade, levando-me a considerar que talvez existam prisões das quais eu nunca vou conseguir escapar. Ao mesmo tempo, meus companheiros de cela nunca serão os mesmos; alguns são mais alegres, outros mais pessimistas, e tudo isso faz parte da graça em estar viva.

Eu entendo que algumas coisas não vão mudar, mas a minha visão sobre elas vai, e por vezes isso há de ser o suficiente. Compreendo que, talvez, em partes, eu seja sempre o que tenho sido, mas em partes também posso ser muito mais do que isso. Eu só preciso continuar ouvindo as partes de mim que gritam lá fora quando eu me recuso a ouvir o que tem aqui dentro.