Chumbo pt. II

Go back to My Writing

Comecei 2024 com uma leitura leve: Morra, amor, da escritora argentina Ariana Harwicz. Pensei em mim. Pensei na minha mãe. Pensei em todas as mães e o quão próximas todas estão de se jogar de uma janela para tentar ter um pouco de silêncio. E não precisa ser mãe para entender, acho que basta ser mulher. Basta saber que o seu lugar no mundo não é o lugar de ser desejante e que qualquer vislumbre de desejo pode ser sua ruína.

Terminei o livro em cerca de 5 horas, senti que não conseguia respirar entre uma página e outra. Essa sensação não é estranha para mim. Parei de respirar em 2020. Em 15 de janeiro de 2020. E, em 2024, eu só percebi que era dia 15 de janeiro às 23:59. Respirei.

Pensei que há tempos não escrevo. Desde agosto de 2023, para ser mais exata. Lembro que houve uma época em que eu dizia que, para mim, escrever era algo que eu necessitava para sobreviver. Como uma função vital, mesmo. Como a respiração. Estou respirando.

Mesmo assim, me sinto sem ar. As palavras não saem tão facilmente quanto antes, não consigo entender onde quero chegar. Toda frase se inicia sem que eu tenha certeza de como será o seu fim. Tudo emerge em tempo real, mesmo que sejam ecos do passado, mesmo que sejam anseios pelo futuro: está tudo no aqui, no agora, justamente onde eu sinto que eu mesma não estou. Talvez por isso eu não escrevo mais.

Eu esqueci como fazer uma das atividades mais importantes para a minha sobrevivência ao longo dos anos. Também esqueci das coisas que um dia foram meu mundo; as pessoas, as obras, as vivências, as memórias; tudo parece um borrão longínquo. Quando não há fundo, não existe a possibilidade da formação de uma figura. Talvez por isso eu não escrevo mais.

Queria dizer ao menos que as coisas foram tomadas de mim, que o mundo se tornou tão insustentável que todos os meus sonhos se tornaram impossíveis por fatores externos. Queria poder dizer que a culpa é dos outros. Não encontro alguém a quem culpar. Só existe eu, seja lá o que esse eu for, porque mesmo esse eu não é bem delimitado.

Eu me apego ao luto porque sinto que ele é tudo o que me sobrou, não só dela como também de mim mesma. Me apego às minhas mágoas porque são as únicas coisas que sinto que são verdadeiramente minhas, porque o único momento em que sinto que existo de fato é quando tenho meu ego ferido.

Do contrário, encontro-me aniquilada; não há separação entre a névoa das minhas ilusões e o que de fato é vivenciado. Não existo como ser desejante e muito menos aceito minha posição como objeto de desejo. Não há nada. E talvez por isso eu não escrevo mais.