Algures

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Hoje eu me olhei no espelho e pela primeira vez em muito tempo eu me vi. Reconheci ali alguém que está implorando para ser vista há muito tempo; não por quaisquer olhos, mas pelos meus próprios. No mesmo instante, em minha mente veio a pergunta “onde você esteve esse tempo todo?”. Definitivamente não aqui. Não neste corpo, nem neste momento. Sempre em algum outro lugar, fazendo alguma outra coisa.

Às vezes penso que minha cabeça é povoada pelos fantasmas das pessoas que passaram pela minha vida, ecos do que poderia ter sido—mesmo que ainda possa ser. Sei que são poucos os momentos em que minha mente se aquieta e eu posso, de fato, descansar. A preocupação constante com o bem estar dos outros é algo que, eventualmente, me leva à exaustão. Lembro, então, das palavras de uma boa amiga: “seu coração é muito grande, diminui ele”. Estou tentando.

Não é tão simples. Mesmo de longe, eu continuo sentindo tudo. A culpa, o peso, a dor, o descaso, a desesperança, o medo, a raiva, o luto. E eu faria absolutamente tudo ao meu alcance para tirar isso de quem fosse. Minha profissão não é uma mera coincidência: é o único caminho que consegui enxergar para a minha vida. O único lugar no qual eu achei que poderia me sentir valorizada. Sempre senti que se eu não estivesse entregando tudo de mim para curar alguém, então eu simplesmente não teria valor.

E a verdade é que eu não sou nenhum tipo de heroína. Pra ser bem sincera, sinto como se fosse um cirurgião com pouca experiência que comete erros significativos e acaba prejudicando ainda mais o paciente. Eu acho que tenho tudo sob controle, mas às vezes eu não consigo estancar o sangramento, e todos na sala de cirurgia acabam se sujando junto comigo. No fim de cada ciclo, resta-me simplesmente voltar para casa—que casa?— e tentar limpar as manchas na minha roupa.

Eu ando com roupas manchadas, um coração constantemente remendado, o peso da culpa de ir embora e sentir que deixei as pessoas ainda mais quebradas do que quando as encontrei. Não consigo assimilar quando, eventualmente, recebo um feedback positivo. Não faz sentido algum. Porque mesmo quando as pessoas me mostram que eu não fui tão ruim assim, eu só consigo pensar na parte em que eu não consegui sustentar o que eu mesma me propus a fazer.

Não que eu tenha culpa de fato. São 28 anos em que eu estou em todo lugar, menos aqui. Em todo momento, menos no presente. Ao lado de todas as pessoas, menos ao meu. Faz sentido que chegaria um momento em eu não teria mais recursos para lidar.

Esse texto é um pedido de desculpas para mim mesma. Ninguém deveria ser negligenciada por tanto tempo. Acho que finalmente chegou a hora em que eu posso me esconder e lamber as minhas feridas em paz. Quem sabe, no futuro, eu possa voltar a estender a mão a quem estiver precisando. Mas, por agora, eu preciso muito de mim. E eu não vou me abandonar mais uma vez.

Te deixar assim, tão só
Não sei se eu consigo ser melhor, ou
Não sei se eu consigo segurar você,
Apoiar você
E ainda andar por mim
Alarmes e Relógios - Adorável Clichê